sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Refugiemo-nos nos shoppings

Nestes dias incertos e inseguros, não é bom sair de casa. Lá fora quase sempre é escuro e triste. As pessoas não se arriscam a olhar nos olhos de quem lhes fala. Aliás, ninguém fala, somente uns poucos perdidos que ainda não compreenderam o esquema das ruas. E esse esquema é pra valer. É preciso estar atento, é preciso ser esperto. Ninguém vai dar uma trégua por você ser inexperiente ou sozinho. Todos estão sozinhos nessa. É preciso estar em alerta constantemente, ao contrário, a rua te devora.

Já que o problema todo é esse, não saiamos de casa! Ou melhor, saiamos, mas somente para irmos ao shopping. Melhor dizendo, refugiemo-nos nos shoppings! Lá tudo é agradável, iluminado, limpo, bem ambientado e... feliz. O esquema dos shoppings, no final das contas, é mais pesado do que o esquema da rua lá fora. Na verdade, não há muita diferença entre os dois, mas quem liga? Nada muda o fato de que a sensação que se tem, é que podemos realizar todos os nossos sonhos consumistas e limitados dentro daquele local igualmente limitado, propagado como um mundo a parte. E é um mundo aparte, mas para quê mesmo precisamos ter visão num mundo de satisfação aos sentidos? Ou vice versa?

Não há nada melhor do que sentir-se seguro. E esta segurança, os shoppings estão plenamente dispostos a fornecer aos seus clientes que passivamente aceitarem suas invisíveis imposições, disponibilizadas por seus modelos comportamentais (que não vêm ao caso agora). Aliás, nada disso vem ao caso. Percamos nossa visão, mas nunca nosso cartão de crédito. Não temos pra onde correr, se o tivemos um dia, desprezamos esta chance.

Mas afinal, quem liga? Shoppings são sempre tão tranquilos...


domingo, 14 de novembro de 2010

Cinza-escuro

Estou bem agora. A febre alta já passou e restou apenas um pouco de fraqueza como consequência. Só deparei-me comigo mesma do outro lado. E essa experiência não foi tão mal assim.

Tudo começou dia desses, quando eu acordei mais cedo. Muito cedo, por sinal, não havia nem sequer indícios de sol. Levantei, olhei ao meu redor e o silêncio daquela casa assombrava o meu interior profundamente. Todos ainda estavam dormindo e pareciam dormir para sempre.

Cheguei na janela, a rua ainda estava escura e silenciosa. Alguns postes acesos e um sinal pequeno de que em breve a manhã de um novo dia iria nos presentear com sua vinda. Vinda esta que iria me deixar profundamente doente. Mal sabia eu disso, antes tivesse continuado a dormir... a sonhar...

Mas estava sem sono. Inquieta. Com vontade de sair daquele quarto, deixar aquela casa. Sem porquê, sem razão, apenas vagar por aquelas ruas buscando encontrar algum motivo por sequer estar ali. E assim fui, de estômago vazio, mente vazia e mãos vazias.

Tranquei o portão do meu prédio. Olhei para um lado e para o outro. O caminhão de lixo não havia passado no dia anterior e o lixo que estava amontoado nos postes, havia sido remexido por catadores essa madrugada. Em resumo, minha rua estava uma sujeira. Mas ali não passavam carros. Caminhei até a rua principal, que é transversal a minha, onde pude vivenciar já da esquina um dos primeiros vestígios de presença humana. Um ônibus passou isoladamente e um carro, alguns minutos depois. Nenhuma loja ainda sequer aberta.

Foi nesse instante que me veio um arrepio apavorante. Olhei pra trás e não havia ninguém. Olhei pro céu e notei que o dia haveria de ser nublado. Olhei para mim mesma e me flagrei então, com medo. Medo de estar ali, sozinha àquela hora. Medo de deparar com o que eu realmente quero encontrar. Medo do que a vida me aprontou naquelas circunstâncias e até que ponto eu cheguei, meio que distraída, meio que seguindo os meus instintos. Medo de enxergar verdadeiramente as coisas.

E aquela manhã bem cedo parecia querer me mostrar muito! Ignorei meu medo e segui em frente.

O que a vida apronta de vez em quando?! Uma viagem inesperada? Um alguém inesperado? Só sei que parecia que eu não iria chegar a lugar algum.

Mas por incrível que pareça, cada vez mais que eu pisava aquele cimento, que ao mesmo momento passava um ônibus ou outro, um carro ou outro, cada vez mais o medo de estar ali fisicamente ia desaparecendo. Parecia que aquele céu, muito cinza para um começo de dia, ia fazendo mais sentido pelo simples ato de existir. O chão tão cinza e tão sujo sobre os meus pés também fazia sentido de existir ali em baixo. Em breve haveria de chover e depois da chuva, viria o sol e iluminaria toda aquela rua, e depois do sol, o chão haveria de secar e estar limpo novamente. E eu, que era apenas uma partícula atômica naquele monte de emaranhado de coisas que buscam um constante sentido para sua existência, haveria de voltar para casa e ver que todos já estão acordados.

E assim seria, se não fosse pela minha insistência e curiosidade de sempre querer ver o que há na próxima virada de rua. Continuei a caminhar naquele cenário perfeitamente montado para um estranho passeio matinal, considerado meio desagradável pelo senso comum. Já nem ligava pro fato de não ver ainda expressão facial sequer. Não havia pessoas na rua naquela manhã. Se era isso que eu buscava, teria de esperar um pouco mais. Mas já estava cansando. Queria voltar.

Parei no ar um segundo. Senti como se eu estivesse deixando aquele local, mas não da maneira convencional. Comecei a sentir meu corpo flutuar. Meus pés não pisavam mais aquele chão. Via a rua lá embaixo, bem pequena. Nenhuma árvore ao redor. Nenhum sinal de vida. Só cimento, e eu, voltando pra casa, pequena e quase que invisível vista daquela distância. Carregava comigo todo os conflitos da rua e ainda todos os olhares, expressões e sentimentos que eu não vi.

Mas nada mais importava, queria apenas chegar em casa e dizer a quem estiver interessado, que eu estou bem. Queria realmente estar bem, mas minha imunidade ficou baixa.

Assim que eu abri o portão do meu prédio, senti então todo o peso daquele passeio recair sobre o meu corpo todo. Foi quando eu fiquei doente. Entrei em casa e fui direto para a cama, nem pensei muito no que havia acabado de acontecer. Ainda era muito cedo e não era a hora de haver pessoas acordadas. Só eu, mas agora queria dormir.

Implorei naquele momento, uma trégua para o meu corpo. Pedi que cada célula permanecesse firme e não me deixasse adoecer. Mas era tarde demais.

A febre durou dois dias. Dois dias inteiros sem sequer sair a rua, independentemente de qualquer horário que fosse. O que sobrou, foi a lembrança daquele céu cinza e as sensações igualmente cinzas daquela estranha manhã, que hoje, pensando bem, se mistura a ficção.

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Todas as estações

Meu sorriso de hoje não é mais o mesmo de janeiro. Os dias desde então não duraram menos que 24 horas, tão pouco mais que 100 dias. Fiz milhões e milhões de filmes e curtas, todos regidos por suas devidas trilhas sonoras. Vi filmes. Também deixei de ver filmes, os quais ainda me lembro até hoje.

Andei por infinitas ruas. Descobri novos caminhos e acabei por me acostumar a eles. Conheci pessoas, seres, carreguei pessoas comigo mesma. Não deixei elas irem. Não me deixei ir delas.

Quis muitas vezes fechar os olhos fortemente e deixar a correnteza me levar. Levar tudo. Quis simplesmente ir, nesse mundo de idas.

Chorei. E as lágrimas escorreram apagando o meu sorriso aos poucos. Um sorriso que hoje só existe na lembrança vaga de um verão quente do mês de janeiro.