domingo, 14 de agosto de 2011

Te encontro daqui a 15 anos

De uma cidade de 6 milhões de habitantes, passageiros das ruas e das ruas da vida, quais são as chances de haver encontros ao acaso ao menos uma vez por dia? E entre duas pessoas ao prazo de 15 anos? Esta história não é sobre encontros em si, com falas perfeitas, românticas e finais felizes para sempre. Esta é uma história sobre desencontros da vida, os quais todos aqueles que acreditam ou não no acaso estão expostos a viverem.

Ela esperava por ele dessa vez. O celular em cima da mesa não ousava pronunciar-se, limitava-se apenas a indicar a hora e denunciar o atraso daquele pela qual ela esperava. Estava atrasado, mas nem sempre esteve. Viram-se pela última vez 1 dia atrás quando encontraram-se ao acaso no centro da cidade. Ele a viu passar e quase não acreditando, chamou-a pelo nome. Ela se virou, reconheceu-o e sorriu de volta, como se misturasse surpresa à suave alegria por rever um rosto antigo e familiar naquela cidade.

Conversaram por pouco tempo, seus empregos, o clima do Sul, o tio dela, o recém falecido avô dele... Ele recomendou uma boa livraria ali perto e ela quis dizer milhões de coisas que nem sabia ao certo, porém nada disse, deixou pra dizer no dia seguinte talvez. Combinaram de almoçar juntos no dia seguinte num bom restaurante sugerido por ele, afim de conversarem melhor. Ele anotou o número dela e despediram-se baixo a promessa de um telefonema. Ela apenas sorriu um sorriso nostálgico que o trouxe de volta aos seus 20 anos de idade e uma vida inteira pela frente.

Conheceram-se ainda bem jovens, ela havia acabado de terminar os estudos escolares e em breve completaria a maioridade. Estava hospedada na casa de seu tio no Rio de Janeiro, onde passaria as férias e festas de final de ano, antes de voltar pro Sul e iniciar uma nova etapa em sua vida, com carreira e faculdade garantidas; carro, bons amigos e pais cuidadosos. Já haviam concordado sobre seu ingresso na profissão da família, estudaria Direito e teria assim, todo um respaldo para tornar-se no futuro uma profissional altamente bem sucedida. Já tinha desde cedo toda sua vida traçada e não se incomodava muito com isso. Nunca foi de reclamar de nada que lhe era imposto e sempre aceitava tudo com um sorriso no rosto, guardando dentro de si seus sonhos mais profundos, inclusive o de encontrar alguém com quem compartilhar tudo isso. Mal sabia ela que este encontro estava prestes a acontecer.

Ele, ao contrário dela, sempre teve de correr atrás do que quisesse sozinho, pois raramente obtinha a direção ou a ajuda dos pais, que mesmo perto viviam sempre muito distantes. Fora criado pelo avô, um homem sábio que lhe ensinou sobre o amor e outras coisas da vida. Foi também o responsável por iniciar o neto na carreira bancária, onde teve chances de crescer e tornar-se um excelente profissional da área, cujos 15 corridos minutos de horário de almoço foram abençoados 1 dia atrás.

A primeira vez que se encontraram não foi ao acaso, tampouco especial. Foram apresentados numa das muitas festas cariocas as quais o tio da moça e o avô do moço frequentavam. Velhos amigos de boemia, tiveram de apresentar aquela bela moça ao jovem rapaz, que ficou encantado ao conhecê-la. Ela, sempre muito recatada, demonstrava de seu jeito delicado a admiração que sentia por ele, soltando por vezes uma risada tímida ao conversarem. E conversaram toda festa como se pudessem conversar toda vida. Parecia que já se conheciam há décadas e tinham tanto em comum. Ambos sonhavam em viajar um dia pelo mundo, ela de mochilão e ele de veleiro. "Eu posso te dar uma carona no meu barco", brincava ele enquanto recebia um "sim" de aprovação. Sentiam que iriam longe e sabiam que um dia ainda haveriam de se encontrar mundo afora, seja num país minúsculo da Europa, ou numa península da América Central. O que importava era se encontrarem, pois queriam isso; quanto mais se conheciam mais queriam se encontrar. Tanto queriam que decidiram antecipar esses encontros mundo afora para amanhã a tarde. E depois de amanhã. E depois, e depois. E assim o fizeram.

Passearam pela cidade e pelas nuvens. Cozinharam, jogaram baralho, assistiram tv, deitaram no gramado para ver estrelas, entraram no mar e escreveram seus nomes na areia. Cada dia era único e especial e cada vez mais tornavam-se mais próximos. Aos poucos, um sentimento entre os dois ia crescendo. Estavam felizes juntos e assim queriam estar todos os dias.

Nesse meio tempo, o Natal já vinha sendo anunciado. Ela porém, não queria presentes, queria apenas apresentar o rapaz aos pais à espera de aceitação e apoio. Mas era de se esperar que isso não iria acontecer, que eles não levariam o relacionamento dos dois tão bem quanto o tio. Sua mãe logo notou o curso dos acontecimentos e os reais sentimentos da filha por ele. Alertou-a e aconselhou a filha a não se "apegar" demais, pois em breve as férias terminariam e ela teria de voltar pra casa, pondo fim ao relacionamento. Ela no entanto, não entendia a mãe, e considerava sua preocupação em vão. Talvez soubesse que uma hora ou outra teria de encarar os fatos, mas no final acabou por entender tudo naquela virada de ano, quando abraçada a ele na praia, em meio aos fogos de artifício, sentiu um profundo medo de perdê-lo. Ali, onde os fogos explodiam quase que em câmera lenta no reflexo daqueles olhos fixantes, abraçou-o ainda mais e quis nunca mais dele se separar. Diversos sons misturavam-se em sua mente, com gritos de felicidade, lembranças de uma virada de ano marcante da infância, calor, a voz de sua mãe dizendo que ele a considerava somente um amor verão. Um amor de verão. E se ela estiver certa? Naquela mistura de sensações, teve apenas uma certeza: seus sentimentos por ele eram fortes e tendiam a crescer cada vez mais, mas questionava-se se era recíproco; e se fosse, seria certo deixar isso acontecer? Queostinava-se se seria certo pros dois.

"Feliz ano novo, meu amor! Quero passar com você muitos e muitos outros anos!" Ele respondeu quase que imediatamente quebrando a tensão momentânea. Os dois tinham a mesma vontade, passar muitas e muitas outras viradas juntos, mas a partir de agora questionando-se: "como?"

Os dias que se sucederam começaram a degradar a imagem de perfeição dos dias que até então haviam passado juntos. Os passeios pela cidade, os lugares, tudo o que faziam parecia perder o encanto. Ele percebia que ela, apesar de feliz ao seu lado, não estava bem, parecia inquieta todo tempo. Uma hora ou outra haveria de ter Aquela conversa a qual ela tanto ansiava, mas tanto tinha medo. Até que um dia soltou no ar: "O que vai ser de nós?". Ele entendeu bem a pergunta, disse que já esperava que sua inquietação fosse referente a isso e que sinceramente não queria que ela fosse embora. Mas ela tinha de ir! Desde o começo tinha e ele sabia disso. Ela queria, no fundo, soluções imediatas, mas que não atrapalhassem seu mais novo futuro super estável. E para ele, a maneira de ficarem juntos estava bem clara: ela ficando no Rio. Queriam ficar juntos, isso era certo, mas talvez não quisessem abrir mão só um pouquinho de suas próprias vidas em prol da vida dos dois. E era tão jovens e inexperientes para enxergar a relação a longo prazo...

Abraçaram-se intensamente naquele momento como se soubessem que aquele abraço era o começo das despedidas. E realmente era. Os próximos dias tiveram um tom quase tão fúnebre quanto uma real morte. "Não fiquem tristes, vocês poderão se ver nas férias". É claro, tio! Ela poderia esperar todo ano pelas férias para vê-lo, como forma de temporariamente estarem juntos, mas parecia que ele não poderia. Revoltava-se contra a calma e a conformidade da moça perante aquela situação. Sempre foi muito exato e radical, se não pudesse alcançar o que quisesse de imediato, não descansava até o conseguir, e o que mais fazia era descabelar-se tentando convencê-la de de que sua visão era a mais correta para a solução de seus problemas. Não suportaria ter de vê-la partir e depois disso se encontrarem apenas 2 ou 3 vezes ao ano. Mas ela não entendia a sua revolta e se entristecia ao vê-lo nesse estado. As possibilidade começaram então a ficar de lado. Pareciam cansados de buscar respostas e soluções que são sempre frustradas no final. Ele começou a não querer vê-la, faltando poucos dias para o seu retorno ao sul. Ela sofria por ter de passar por isso e chorava a cada telefonema não atendido, não entendendo porque a ignorava. "Se é assim, então eu vou voltar para casa mesmo e esquecer de tudo o que aconteceu aqui", e assim o faria. Parcialmente.

No dia da grande viagem de regresso, ele surgiu na casa a qual a menina estava hospedada pedindo para conversarem. Ela, surpresa e muito magoada por haver sido ignorada nos últimos dias, decidiu ouvir seu grande amor quase que perdido e suas palavras não poderiam ter sido mais belas, e portanto, mais fatais possíveis: "Eu amo você. Eu preciso de você pra ser feliz. Não queria suportar a ideia de te ver indo embora, por isso não atendi seus telefonemas, para tentar me acostumar com a ideia de viver sem você aqui. Mas não consegui. Eu sei que eu não sou o melhor cara do mundo pra você, mas se você decidir não viajar hoje e ficar comigo, você será a mulher mais amada do mundo, e eu tenho certeza que nós daremos um jeito de viver bem aqui. E se você quiser, eu falo com seus pais, só por favor não vá embora hoje, e me dê uma chance para ficarmos juntos de verdade". Foi o que ele disse. Ou algo do tipo. Já não lembrava exatamente das palavras; e ali, naquela mesa de restaurante à espera dele, com todas aquelas memórias vindo à tona contrastando com a vida que teve, tinha uma forte tendência a romantizar tudo. Acontece que o suceder da história não foi nada romântico, voltou pro sul naquela noite feito uma fugitiva de guerra em busca de abrigo e segurança, estudou Direito como sua família quis, viajou algumas vezes ao exterior graças a algum pacote turístico de internet, conheceu seu marido devidamente escolhido pelos pais, casou-se como manda o figurino, trabalhou, trabalhou, até que um belo dia teve de ir ao Rio a trabalho, quando esbarrou ao acaso com o homem o qual dividiu os melhores dias de sua vida e o qual havia perdido sem nem sequer dar uma explicação.

Esperava por ele naquela mesa de restaurante, porém, não mais para almoçar, mas para dizer um sincero: "Me desculpe". Me desculpe por ter sido fraca e medrosa por nem sequer ter enfrentado minha família para impor minha vontade de ficar. Me desculpe por simplesmente ter seguido o curso natural da minha vida tão pré definido. Me desculpe por nunca mais ter voltado nas férias, por ter me casado com um homem o qual eu tive de me "acostumar" com o tempo, por ter feito planos de vida e viagens com ele.  Me desculpe por nunca ter dito o que eu sentia por você. Me desculpe por não ter ficado, e principalmente, me desculpe por não haver ligado, ao menos para confirmar que iria embora, mas que nunca te esqueceria. Ma agora já está tão tarde...

O mesmo telefone que nunca tocou na casa dele, também não tocou na mesa do restaurante. Não tinha seu número, e mesmo que o tivesse não saberia se ousaria ligar. Quis tanto que o destino os fizessem se encontrar novamente, mas tinha medo exatamente disso: de ter dúvidas. Sempre tentou evitar seu sofrimento, mas no final não serviu de nada. Engoliu novamente todas as desculpas e desabafos que  por tanto tempo estiveram aprisionados em sua garganta e deixou o restaurante. Nunca saberia o porquê de ele não ter ido, assim como ele nunca soube nem saberia o porquê de muita coisa. A eles, só lhes resta agora esperar que o universo os presenteie com mais um encontro, ou desencontros da vida...

"Te vejo daqui a 15 anos", sussurrava ao sair do restaurante, o mesmo sussurro,  que proferiu no avião anos atrás quando decolava rumo ao sul.


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